quarta-feira, 15 de julho de 2009

Rodolfo e a Fotografia - 3a Exposição


Literatura – Fotografia – Cinema (1)


Eu costumava visitar o sebo da livraria Leitura no Minas Shopping, em BH. Eu sempre encontrava algum livro interessante. Numa tarde, antes de pegar o metrô para ir trabalhar em Contagem, eu encontrei o livro com os roteiros dos filmes Cortina de fumaça e Sem fôlego, escritos e dirigidos por Paul Auster e Wayne Wang. O livro ainda traz o CONTO DE NATAL DE AUGGIE WREN que gerou os filmes.


Ao ler o conto, dentro do metrô ou do ônibus, percebi que o século 20 tinha acabado. A pós-modernidade me arrebatara. Paul Auster era meu escritor preferido desde criancinha.


Mas foi ao assistir ao filme Cortina de fumaça que atentei para as fotografias de Auggie. Sem perceber, eu adentrara no universo da arte contemporânea e da fotografia. Um ensaio fotográfico sedutor através das palavras do escritor.




O CONTO DE NATAL DE AUGGIE WREN

Paul Auster

... Auggie considerava-se um artista. [...] Então, de maneira quase inevitável, chegou um momento em que ele me perguntou se eu gostaria de ver suas fotos. Dado seu entusiasmo e boa vontade, não havia como decepcioná-lo.

Deus sabe o que eu esperava encontrar. Mas não era nada parecido com o que Auggie me mostrou no dia seguinte. Num quarto pequeno e sem janelas nos fundos da loja, ele abriu uma caixa de papelão e tirou doze álbuns de fotos, exatamente iguais. Era a obra de sua vida, ele explicou, e gastara apenas cinco minutos por dia para realizá-la. Toda manhã, nos últimos doze anos, ele havia parado na esquina da Atlantic Avenue com a Clinton Street,e precisamente às oito horas havia tirado um única foto colorida, exatamente do mesmo ângulo. O projeto já incluía mais de quatro mil fotografias. Cada álbum representava um ano diferente, e todas as fotos estavam dispostas em sequência, de 1º de janeiro a 31 de dezembro, com as datas cuidadosamente registradas sob cada uma.

Enquanto eu folheava os álbuns, examinando o trabalho de Auggie, não sabia o que pensar. Minha primeira impressão foi de que era a coisa mais estranha e surpreendente que eu já havia visto. Todas as fotos eram iguais. O projeto constituía uma série anestésica e repetitiva que mostrava a mesma rua e os mesmos prédios infinitamente, num incansável delírio de imagens redundantes. Não consegui pensar em nada para dizer a Auggie, e continuei virando as páginas, balançando a cabeça em pretensa aprovação. O próprio Auggie parecia não se perturbar, observando-me com um largo sorriso no rosto, mas, depois, de eu olhar por vários minutos, subitamente ele me interrompeu e disse:

“Está virando depressa demais. Não vai entender nada se não for mais devagar”.

Ele tinha razão, é claro. Se você não se der tempo para olhar, nunca conseguirá enxergar nada. Apanhei outro álbum e forcei-me a vê-lo mais pausadamente. Prestei mais atenção nos detalhes, percebi as alterações do clima, observei os ângulos mutantes de luz, conforme as estações se sucediam. Finalmente pude detectar diferenças sutis no fluxo do trânsito, identificar o ritmo dos diversos dias (a agitação matinal dos dias úteis, a relativa tranquilidade dos fins de semana, o contraste entre os sábados e domingos). E então, pouco a pouco, comecei a reconhecer os rostos das pessoas vistas em primeiro plano, os pedestres a caminho do trabalho, as mesmas pessoas no mesmo lugar todas as manhãs, vivendo um instante de suas vidas no campo da máquina fotográfica de Auggie.

Quando comecei a reconhecê-las, passei a estudar suas atitudes, o modo como se conduziam de uma manhã a outra, tentando através desses indícios superficiais descobrir seus temperamentos, como se eu pudesse imaginar histórias para elas, como se pudesse penetrar os dramas invisíveis encerrados em seus corpos. Peguei outro álbum. Não estava mais entediado, não mais intrigado como estivera a princípio. Percebi que Auggie fotografava o tempo, o tempo natural assim como humano, e o fazia plantando-se numa pequena esquina do mundo e desejando que fosse sua, montando guarda no espaço que escolhera para si mesmo. Ao ver-me mergulhado em seu trabalho, Auggie continuava a sorrir, satisfeito. Então, quase como se estivesse lendo meus pensamentos, ele começou a recitar um verso de Shakespeare: “Amanhã, depois de amanhã e sempre”, sussurrou, “o tempo se arrasta com seu passo miúdo”. Compreendi que ele sabia exatamente o que estava fazendo.


trecho do livro:

CORTINA DE FUMAÇA & SEM FÔLEGO - dois filmes, de Paul Auster

páginas 180-183

Editora Best Seller


Fortaleza, 15.7.9.

Rodolfo Silva

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