Para Ana Maria Marias (amiga mineira, velha ama negra de leite, avó de Sophia)
"Pensamento, mesmo o fundamento singular do ser humano De um momento para o outro Poderá não mais fundar nem gregos nem baianos" Tempo Rei, Gilberto Gil
enquanto escrevo, ouço.
no futuro embarque em bolso, o velho mundo.
à tiracolo, saber novas entreperguntas ao lado da avó.
tempo de providências destabanadas asas e vagões alados: - vô revoar!
Foi em 2002 que conheci Marçal Aquino e sua literatura. Precisamente, em 28.8.2002., em Belo Horizonte. Naquele dia, momento decisivo, descobri-me numa seita: a Literatura, segundo o oráculo.
Li o livro, assisti ao filme. Nada de mais (brinco).
Tudo, quase tudo, detalhes, quase todos os detalhes, passaram desapercebidos diante de meus olhos.
Foi só, recente, que um olhar atento me levou a detalhes do livro. O narrador do livro, Ivan, estrutura sua história a partir de seu olhar:
"Eu abri os olhos." Derradeira frase: chave-abertura, hermética-hermenêutica.
Disso, na escrita de um trabalho sobre o livro e o filme O invasor, em três momentos decisivos, distintos, uma fotografia do fotógrafo francês Henri Cartier-Bresson é mencionada. Ela se encontra na sala de Ivan, no escritório da construtora em que trabalha:
“Estevão faz uma pausa e olha para a foto que decora a parede às minhas costas: um casal atravessando uma rua cheia de poças, que refletem um céu baixo e nublado. Cartier-Bresson, Paris.” (O invasor, p. 36)
“Anísio entrou na minha sala, examinou o ambiente e se deteve diante da reprodução de Cartier-Bresson.” (O invasor, p.69)
“Parei diante da cena parisiense registrada por Cartier-Bresson. Eu estava emocionado. Toquei o quadro: Paris era um bom lugar para refrescar a cabeça enquanto eu decidia que rumo daria à minha vida.” (O invasor, p. 111)
A fotografia na parede e o olhar de quem a olha (Estevão, Anísio e Ivan, respectivamente) parecem fornecer ao narrador e, consequentemente, ao leitor elementos hermenêuticos que convidam para “abrir os olhos”, assim como Ivan o faz na iminência de sua morte.
Henri Cartier Bresson (1908-2004), o olho do século XX.
"Ele costumava afirmar que um bom fotógrafo deve captar o instante decisivo - o momento exato de bater a foto, quando se alinham cabeça, olho e coração." http://www.conteudoeditora.com.br/publicacoes/?ec=290&cs=15
Vendo, lendo, filme, livro, atentei menos distraído para a fotografia. Nesse percurso, estudo o olhar como articulador de discursos, construtor poético de narrativas.
A fotografia esbarra em meu caminho como pedra drummondiana.
Eu costumava visitar o sebo da livraria Leitura no Minas Shopping, em BH. Eu sempre encontrava algum livro interessante. Numa tarde, antes de pegar o metrô para ir trabalhar em Contagem, eu encontrei o livro com os roteiros dos filmes Cortina de fumaça e Sem fôlego, escritos e dirigidos por Paul Auster e Wayne Wang. O livro ainda traz o CONTO DE NATAL DE AUGGIE WREN que gerou os filmes.
Ao ler o conto, dentro do metrô ou do ônibus, percebi que o século 20 tinha acabado. A pós-modernidade me arrebatara. Paul Auster era meu escritor preferido desde criancinha.
Mas foi ao assistir ao filme Cortina de fumaça que atentei para as fotografias de Auggie. Sem perceber, eu adentrara no universo da arte contemporânea e da fotografia. Um ensaio fotográfico sedutor através das palavras do escritor.
O CONTO DE NATAL DE AUGGIE WREN
Paul Auster
... Auggie considerava-se um artista. [...] Então, de maneira quase inevitável, chegou um momento em que ele me perguntou se eu gostaria de ver suas fotos. Dado seu entusiasmo e boa vontade, não havia como decepcioná-lo.
Deus sabe o que eu esperava encontrar. Mas não era nada parecido com o que Auggie me mostrou no dia seguinte. Num quarto pequeno e sem janelas nos fundos da loja, ele abriu uma caixa de papelão e tirou doze álbuns de fotos, exatamente iguais. Era a obra de sua vida, ele explicou, e gastara apenas cinco minutos por dia para realizá-la. Toda manhã, nos últimos doze anos, ele havia parado na esquina da Atlantic Avenue com a Clinton Street,e precisamente às oito horas havia tirado um única foto colorida, exatamente do mesmo ângulo. O projeto já incluía mais de quatro mil fotografias. Cada álbum representava um ano diferente, e todas as fotos estavam dispostas em sequência, de 1º de janeiro a 31 de dezembro, com as datas cuidadosamente registradas sob cada uma.
Enquanto eu folheava os álbuns, examinando o trabalho de Auggie, não sabia o que pensar. Minha primeira impressão foi de que era a coisa mais estranha e surpreendente que eu já havia visto. Todas as fotos eram iguais. O projeto constituía uma série anestésica e repetitiva que mostrava a mesma rua e os mesmos prédios infinitamente, num incansável delírio de imagens redundantes. Não consegui pensar em nada para dizer a Auggie, e continuei virando as páginas, balançando a cabeça em pretensa aprovação. O próprio Auggie parecia não se perturbar, observando-me com um largo sorriso no rosto, mas, depois, de eu olhar por vários minutos, subitamente ele me interrompeu e disse:
“Está virando depressa demais. Não vai entender nada se não for mais devagar”.
Ele tinha razão, é claro. Se você não se der tempo para olhar, nunca conseguirá enxergar nada. Apanhei outro álbum e forcei-me a vê-lo mais pausadamente. Prestei mais atenção nos detalhes, percebi as alterações do clima, observei os ângulos mutantes de luz, conforme as estações se sucediam. Finalmente pude detectar diferenças sutis no fluxo do trânsito, identificar o ritmo dos diversos dias (a agitação matinal dos dias úteis, a relativa tranquilidade dos fins de semana, o contraste entre os sábados e domingos). E então, pouco a pouco, comecei a reconhecer os rostos das pessoas vistas em primeiro plano, os pedestres a caminho do trabalho, as mesmas pessoas no mesmo lugar todas as manhãs, vivendo um instante de suas vidas no campo da máquina fotográfica de Auggie.
Quando comecei a reconhecê-las, passei a estudar suas atitudes, o modo como se conduziam de uma manhã a outra, tentando através desses indícios superficiais descobrir seus temperamentos, como se eu pudesse imaginar histórias para elas, como se pudesse penetrar os dramas invisíveis encerrados em seus corpos. Peguei outro álbum. Não estava mais entediado, não mais intrigado como estivera a princípio. Percebi que Auggie fotografava o tempo, o tempo natural assim como humano, e o fazia plantando-se numa pequena esquina do mundo e desejando que fosse sua, montando guarda no espaço que escolhera para si mesmo. Ao ver-me mergulhado em seu trabalho, Auggie continuava a sorrir, satisfeito. Então, quase como se estivesse lendo meus pensamentos, ele começou a recitar um verso de Shakespeare: “Amanhã, depois de amanhã e sempre”, sussurrou, “o tempo se arrasta com seu passo miúdo”. Compreendi que ele sabia exatamente o que estava fazendo.
trecho do livro:
CORTINA DE FUMAÇA & SEM FÔLEGO - dois filmes, de Paul Auster
nesta semana, quero ensaiar algumas proximações ao teatro. foi no curso de especialização em semiótica, com o professor-dramaturgo Aldo Marcozzi, que estive de novo, com a tragédia grega.
aponto meu percurso-destino: 1) o que me proxima da tragédia: destino-morte-violência-vida, pulsões, instintos, mímesis-poiesis, anfibologia trágica. a Poética, de Aristóteles.
2) exercício dramático: escrita de um drama post-mosternum.
3) proximações, comparações: recente, assisti ao filme Na natureza selvagem - Into the wild (EUA, 2007), de Sean Penn. talvez seja cisma minha, mas acredito seja possível fazer um estudo comparativo entre a narrativa do filme e a técnica analítica da tragédia Édipo Rei - Oidipous Tyrannos (GRE, c. 427 a.C.), de Sófocles.
a imagem dextrógira, sinistra, me redesenha, desdenha, escaneia, sacaneia. narciso teve mais sorte: mergulhou-se pelo encanto de sua imagem. hoje, não mergulho, esbarro na superfície. me prendo a ela. colo, colagem, fotocolagem. volto meus olhos à minha imagem. fotográfica, instantânea. pequeno mapa do tempo-espaço-retângulo, escala de cinza, espectro de cores. idades, cidades, identidades, documentos. momentos de cisões burocráticas.
odeio foto 3por4.
Eu não tenho mais a cara que eu tinha no espelho essa cara já não é minha Eu não vou me adaptar Arnaldo Antunes
ou finge que não vê que eu nasci pra ser o superbacana eu nasci pra ser o superbacana superbacana superhomem supervinc superflit superist superbacana ... A moeda número 1 do Tio Patinhas não é minha (SUPERBACANA, Caetano Veloso)
Caetano Veloso e Renato Aragão SUPERBACANA (basta assistir ao 1o minuto)
Eu não diria, com tanta certeza, que a fotografia nascera em 1826, em Paris, num lerdo desenho da rápida luz, com o engenho de Joseph Nicéphore Niépce. 8 horas, 1/3 do dia. Dizem que antigamente o tempo passava mais lento. Se não é mais assim, é por culpa do futurismo.
Fotografia de J.N. Niépce, de 1826 8 horas de exposição para a luz desenhar-se no papel
A fotografia nasceu em maio de 1971, no Recife.
Como se pode ver nas raríssimas imagens gastas pelo tempo num IBURA remoto, roto, numa Mustardinha remota, ignota. Em algum lugar do passado.