segunda-feira, 28 de maio de 2018

Algoritmos de Yahweh

O uso da Internet e das redes sociais (Facebook, Instagram, Twitter, por exemplo) tem crescido de forma avassaladora (ainda não estou certo de que esse é o melhor adjetivo para caracterizar o poder de capilaridade dessas tecnologias digitais). Para percebermos o tamanho disso, numa matéria do site Tecmundo, de janeiro de 2018, lemos:

Falando em números específicos, começamos 2018 com 4,021 bilhões de pessoas online (53% de todas as pessoas do planeta), um aumento de 7% em relação ao ano anterior. As redes sociais são utilizadas por cerca de 3,2 bilhões de pessoas (42% de todo o mundo).
(Não era minha intenção fazer um comparativo numérico, mas vejamos: A CNBB, em maio de 2017, divulgou que "2,18 bilhões de pessoas que dizem professar a fé cristã").

No último sábado, reunido com amigos, conversamos sobre "como Deus fala". Um dos companheiros conduziu a prosa indicando algumas possibilidades: pelas Escrituras, pelas pessoas, pelas situações cotidianas, através dos pensamentos.

Eu fiquei matutando sobre isso e me percebi na expectativa de que Deus "fale" comigo do jeito que estou acostumado a "ouvir", em outras palavras - para usar uma expressão ligada ao uso das redes sociais - quero que Deus me fale através dos algoritmos formatados em minha experiência e memória afetiva e relacional com o próprio Deus.

A matemática estadunidense Cathy O'Neil, numa palestra do TED chamada "A era da fé cega no Big data tem de acabar", diz:
"Precisamos de duas coisas para criar um algoritmo: de dados, o que aconteceu no passado, e uma definição de sucesso, aquilo que estamos procurando e geralmente esperando.
O algoritmo descobre o que está associado com o sucesso, que situação leva ao sucesso.
Algoritmos são opiniões embutidas num código."


Mais adiante, na palestra, ela afirma:

"Os algoritmos não tornam as coisas justas se forem aplicados de forma cega e displicente. Eles repetem nossas práticas, nossos padrões. Eles automatizam o status quo. Isso seria ótimo se tivéssemos um mundo perfeito, mas não temos."
O que acho interessante em tudo isso é que eu posso ficar atento aos possíveis algoritmos que se entrelaçam à minha experiência cotidiana com Deus, naquilo que entendo ser a "fala" de Deus. Considerando os critérios indicados pela Cathy O'Neil, para criar um algoritmo, eu deveria levar em conta aquilo que está escrito no Evangelho, por exemplo, na carta aos Hebreus 1:1-4:

"Há muito tempo Deus falou muitas vezes e de várias maneiras aos nossos antepassados por meio dos profetas, as nestes últimos dias falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas e por meio de quem fez o universo.  Filho é o resplendor da glória de Deus e a expressão exata do seu ser, sustentando todas as coisas por sua palavra poderosa. Depois de ter realizado a purificação dos pecados, ele se assentou à direita da Majestade nas alturas, tornando-se tão superior aos anjos quanto o nome que herdou é superior ao deles."

Aqui temos:
Dados do passado: "Deus falou muitas vezes e de várias maneiras..."
Definição de sucesso: "ele se assentou à direita da Majestade..."


Mas esse é só um exemplo disponível nas Escrituras, com dados do passado e definição de sucesso, entre incontáveis.

Ora, Yahweh não se prende a algoritmos e qualquer tentativa, de nossa parte, de teologizar e sistematizar a experiência religiosa de forma a criar padronização santificada e santificante, seja para uso individual ou coletivo é, no mínimo, desastrosa, pois cria a ilusão do controle do que é irrefreável, incontido e fluido (soprável e espiritual).

Em suma, a conexão em uma rede gerará algoritmos em nossas vidas, na Big Data ou na Videira verdadeira. Cabe a nós estarmos atentos à conexão, a ponto de assimilarmos sem pretensas neutralidades os "bons algoritmos".


Fortaleza, 28.5.2018.
Rodolfo Selva






domingo, 13 de maio de 2018

Disciplina e violência (um comentário à especialidade do Bolsonaro)


Durante esta semana, circulou notícias sobre um memorando de 1974, no qual a CIA tratava das execuções realizadas pelo governo militar, naquele período.

Antes disso, eu andava buscando formas de registrar uma inquietante frase do ex-militar e agora deputado federal Jair Bolsonaro. Numa reunião em Porto Alegre, em 29 de junho de 2017,  segundo vídeo que circula na internet, ele afirma: “Minha especialidade é matar”, justificando essa especialidade à sua formação militar.

Em 23 de maio de 1999, numa entrevista ao Programa Câmera Aberta, no Rio de Janeiro, o ex-militar diz explicitamente ao jornalista: “Eu sou favorável à tortura. O povo é favorável a isso também.”

Pesquisei rapidamente a biografia dessa figura pública: Entrou no exército em 1973, com 18 anos, na Escola Preparatória de Cadetes do Exército. E teve formação especializada em órgãos do exército até a entrada na reserva, em 1988. Curioso é notar a concomitância de sua vida militar, que durou 15 anos, com o período da ditadura militar, entre 1973 e 1984.

Já se passaram 30 anos que o referido parlamentar deixou a carreira militar (o dobro de tempo de sua passagem nas forças armadas), mas a mentalidade militar não saiu dele. Mas não foi só a mentalidade militar que não o deixou, permaneceu, ainda, o lado perverso da experiência da ditadura militar, sua pulsão e seu desejo por morte.

E, para completar, no último dia 11 de maio de 2018, em entrevista à Rádio Super Notícia, em Belo Horizonte, ao comentar o tal memorando CIA, de 1974: “Quem nunca deu um tapa no bumbum do filho e depois se arrependeu?”.

Há um senso comum que relaciona a disciplina aos filhos, justificada como expressão do amor - digamos, parental - à violência (castigos físicos, como a palmada). É provável que haja um equivalente para o amor pátrio: a disciplina (tortura) realizada pelos pais (governo), plenamente justificável, como bem personaliza o que é defendido pelo ex-militar.

Há quase 7 anos, eu sou pai: de um menino de 6,5 anos, de um menino de quase 5 e de uma menina de 9 meses. Em casa, decidimos não fazer uso de recursos físicos para castigar ou corrigir ou disciplinar nossos filhos e filha. (No nosso contexto mais geral, há uma prerrogativa bíblica que justifica esse dispositivo educativo. Noutro momento, gostaria de expressar minha convicção, também bíblica, para a nossa atitude).

Na abrangência de determinado contexto interpretativo, eu compreendo a escolha de pais e mães para o uso corretivo de palmadas ou o que seja a corporificação da “vara da disciplina”, apesar de não concordar. O que eu não compreendo e não admito é que essa “chave hermenêutica”, que articula disciplina e violência, seja acolhida para fins políticos e ideológicos que legitimam e naturalizam que um agente público, militar ou congressista, reiterem expedientes discursivos como plataforma de um governo minimamente ético, democrático, republicano.


Fortaleza, 13 de maio de 2018.
Dia das mães.
130 anos da abolição da escravatura (!?)

Quixadá On The Air #01

Nos dias 15 e 16 de abril de 2023, aconteceu o  Final de Semana Pan-Americano do SOTA 2023.  A equipe SOTA CEARÁ, organizou uma expedição no...